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O mundo precisa ver o que Lia de Itamaracá tem para apresentar

Lia de Itamaracá | ©Ytallo Barreto
Lia de Itamaracá | ©Ytallo Barreto

Ao telefone, com uma certa dificuldade na comunicação por causa do ambiente (aeroporto), Lia de Itamaracá reconhece a importância do seu trabalho para a disseminação da música tradicional do Brasil para além das fronteiras. “Agora, Deus é quem sabe. Enquanto Lia existir, enquanto Lia estiver viva, com força na garganta, eu toco o barco para frente. O mundo precisa ver o que é que Lia tem pra apresentar”, afirma à BANTUMEN.

De fato, o que Maria Madalena Correia do Nascimento tem feito desde os 12 anos, quando começou a participar das rodas de ciranda na Ilha de Itamaracá, em Pernambuco, precisa chegar a lugares que ainda não conseguiu transpor, inclusive dentro do próprio país. Muitos cantam, dançam, se alegram, mas poucos sabem que ela é a responsável por difundir a ciranda – dança popular da sua terra natal – com as cantigas “Quem Me Deu Foi Lia”, “Morena de Pernambuco” e “Moça Namoradeira”. Esse e outros feitos lhe renderam o título de Patrimônio Vivo da Cultura, e a colocaram em evidência no cenário global. 

Um dos seus admiradores é o jazzista estadunidense Jon Batiste, vencedor do Grammy, compositor e arranjador da animação “Soul”. Antes de fazer apresentações no Brasil, o artista gerou uma “certa polêmica” por dizer em entrevista à Folha de São Paulo que não conhecia a cantora Anitta, com quem estavam tentando alinhar uma parceria, mas que a sua vontade mesmo era tocar com Lia de Itamaracá. Inevitavelmente, Batiste ficou encantado ao encontrá-la no palco do C6 Fest em São Paulo. Porém, ele não é o único a ficar admirado com toda a potência da artista de 79 anos, que cada vez mais tem conquistado admiradores jovens, principalmente através da Internet.

“Ela (a Internet) ajuda muito, porque ficou mais fácil o acesso com o público”, observa. “Adoro trabalhar com a juventude, pois esses jovens de hoje estão se conectando e entendendo o que se passa com a cultura, com as músicas… isso para mim é muito importante”. 

Lia de Itamaracá | ©Marcus Leoni
Lia de Itamaracá | ©Marcus Leoni

 Colocar a cabeça para funcionar e ver o que vai fazer para  que as coisas aconteçam. Lia está tocando o barco pra frente… não tem aperreio, não tem nada

Lia de Itamaracá

Essa relação de Lia com o digital se estreitou rapidamente. Dos seus quatro álbuns,  apenas três podem ser ouvidos (oficialmente) via streaming: Eu Sou Lia (2000), Ciranda de Ritmos (2008) e Ciranda Sem Fim (2019). O seu primeiro, Rainha da Ciranda (1977), só pode ser ouvido na versão física e no YouTube. Até ao final de 2022, o clássico Ciranda de Ritmos também estava fora das plataformas.

Conceitualmente inspirado no músico e saxofonista Seu Bezerra (Bezerra do Sax), de 90 anos, e com direção musical e participação do flautista e compositor potiguar Carlos Zens, ele foi um divisor de águas na carreira de Lia e “recebeu a benção” do legendário percussionista pernambucano Naná Vasconcelos (falecido em 2016) durante uma visita surpresa ao estúdio para acompanhar parte da gravação. Na sequência, a cirandeira o acompanhou em apresentações ao lado de Elza Soares e Marisa Monte. 

“Foi um encontro maravilhoso porque ele era um mestre que deixou um legado”, recorda do amigo. “Nada dele está perdido. É assim que a banda toca. Quando a pessoa morre e não tem um legado para deixar fica difícil, mas tendo um legado a coisa anda”.

Lia de Itamaracá | ©Ytallo Barreto

ENREDOS DE CARNAVAL

Lia de Itamaracá diz em alguns momentos que se “Lia não vai ao mundo, o mundo não pode vir aqui. Por isso, tem que ir ao mundo”. Mas com o reconhecimento que tem recebido, os olhos de todos têm se voltado para ela. Outros exemplos disso são os dois enredos de carnaval que vão homenagear a sua vida e obra em 2024. Em São Paulo, a Rainha da Ciranda será tema da escola de samba Nenê de Vila Matilde, e no Rio de Janeiro do Império da Tijuca.

Na escola de samba paulista, o título do enredo escolhido foi “Cirandando a vida pra lá e pra cá. Sou Lia, sou Nenê, sou de Itamaracá”. O responsável por contar essa história será Fábio Gouveia com direção artística de Marcio Telles. “Me sinto muito honrada em ser homenageada em vida. A águia voou por todo o Brasil e pousou aqui na Ilha de Itamaracá para me levar junto com ela, e claro que a mamãe vai junto”, escreveu Lia no Instagram. “[…] a Águia azul e branco contará toda a minha história. História essa sofrida, entre lágrimas e sorrisos, mas também de glória, a história da preta que levou e leva ciranda para o mundo”.

De autoria de Júnior Pernambucano e texto do jornalista Rodrigo Hilário, “Sou Lia de Itamaracá cirandando a vida na beira do mar” vai dar nome ao “relicário das memórias e referências” que o Império pretende compartilhar na Marquês de Sapucaí. “A relação de Lia com as águas da ilha (o mar, o rio, o mangue) e com as festas e folguedos de sua infância construíram as bases artísticas da cantora e dançarina, que no próximo ano completa 80 anos de vida, dos quais 60 dedicados à cultura popular”, revelou a escola. “A relação de Lia com o Carnaval de Pernambuco, repleto de ritmos e cores, completa a homenagem que a verde e branco do Morro da Formiga fará a este ícone da cultura brasileira no próximo Carnaval”.

Estas iniciativas complementam outras que também honram o legado de Lia ainda em vida, como a Ocupação Lia de Itamaracá, que passou por São Paulo e Pernambuco, e apresentou aos visitantes documentos, figurinos, objetos pessoais, fotografias, mobiliários, vídeos e imagens recentes de apresentações; e também as titulações de Patrimônio Vivo de Pernambuco, em 2004, e Doutora Honóris Causa pela Universidade Federal de Pernambuco, em 2019.

Além da ciranda, Lia também marca sua presença no audiovisual, participando no filme “Bacurau” (2019) e na série “Santo” (2022), da Netflix. Se depender dela, tudo isso é apenas uma parte dos frutos que tem para colher por toda a sua contribuição cultural. Para ela, não é difícil se manter ativa e cativando pessoas através da arte. O segredo é: “colocar a cabeça para funcionar e ver o que vai fazer para que as coisas aconteçam. Lia está tocando o barco pra frente… não tem aperreio, não tem nada”.

Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.

Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para [email protected].

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