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Poetisas de Angola procuram destaque e firmamento na arte

Sandra Bande, Bel Neto e Poetisa Lua
Sandra Bande, Bel Neto e Poetisa Lua

Descreve-se como um ser humano em constante descobertas que luta diariamente para alcançar a sua melhor versão. “Sou menos uma no mundo a fazer o que é comum, sou uma mulher pronta a pagar o preço justo para atingir a excelência”, descreveu-se a multifacetada artista angolana Sandra Bande, poetisa, spoken word performance, roteirista e mentora de projetos sociais.

O fascínio pela escrita poética e declamação começou quando tinha apenas 9 anos. De lá para cá, registou várias paragens, até entender que nasceu para esta arte e percebeu que tinha habilidades para declamar. “Sinto que esta é a minha forma de ajudar o universo, usar a minha voz para libertar outras vozes”, afirmou.

Para ela, a poesia representa vida e poder, “o poder de viver mil vidas num só corpo, olhar para as dores e alegrias dos seres humanos e transformar em algo refrigerador”, explicou-nos e acrescentou que já não consegue dissociar-se dela. Atualmente, o seu objetivo é tornar-se numa referência da poesia em Angola.

Quando está com um papel e esferográfica, com um telemóvel ou com um computador, a sua inspiração para escrever advém de tudo que incomoda a sua alma. “Quando escrevo sou movida pela necessidade de corrigir ou melhorar alguma coisa”. Na sua poesia aborda sobre valorização dos seres humanos, empoderamento, beleza da mulher e sobre situações sociais emergentes, como a pobreza, a violência e as doenças que afetam a saúde pública.

Poucas são as instituições que apoiam artistas

Sandra Bande

No seu percurso artístico, contou-nos que uma das dificuldades que enfrentou foi conseguir firmar-se como uma verdadeira artista. “Foi um grande desafio fazer as pessoas entenderem que poesia não é só “aquilo” não é sobre gritarias e lamentações, eu tinha o desafio de reeducar e fazer entender que arte vai além da música”, relembrou. A esta dificuldade, acrescentou o facto de percorrer a estrada sozinha.

“Ter que lidar com várias portas fechadas, ter que lidar com pessoas que te consideram menos artista por seres poetisa”, lamentou acrescentando que várias foram as vezes que teve de custear os seus próprios eventos e viagens. “Porque infelizmente poucas são as instituições que apoiam artistas, mas ainda sim levantar no dia seguinte e fazer poesia… É preciso ter amor pela coisa mesmo”. Bande tem quatro livros escritos que não publicou ainda por falta de patrocínio.

Questionada se no início da sua carreira teve referências de poetisas nacionais, a também estudante de medicina, respondeu: “Infelizmente não, digo isto com tristeza. Entrei porque apaixonei-me pela arte e percebi que sabia fazer e que fazia bem”, esclareceu. Atualmente, na poesia cantada tem como referência os artistas Dino Ferraz, Totó, a artista brasileira Kelly Smith e outros.

Em Angola, a pesquisa por referências na área da poesia é dominada maioritariamente por homens, com Agostinho Neto a encabeçar a lista. O político e escritor é tido por muitos como “poeta maior”, fazendo parte do rol de autores que marcaram a década de 60 até ao final dos anos 90. Apesar de as referências no feminino não serem tão expressivas, é possível encontrar nomes como: Alda Lara, Manuela Margarido, Noémia de Sousa, Alda Espirito Santo, Ana Paula Tavares e Isabel Ferreira.

As questões colocadas por Sandra Bande acabam por se tornar transversais a outras jovens angolanas que se propõem a fazer arte através das palavras faladas. Para além de Sandra, a BANTUMEN teve oportunidade de falar com outras duas jovens artistas: Bel Neto e Poetisa Lua. Ambas têm dado passos significativos e procurado conquistar espaço no mercado. Ganharam concursos a nível nacional e representaram o país em concursos de poesia internacional.

Sandra Bande teve um dos seus vídeos selecionado e exibido durante três dias no maior evento de poesia falada do mundo, world Poetry Slam Championship 2022, em Bruxelas, e também representou Angola no festival internacional poetas d’Alma, em Moçambique.

Poetisa Lua Participou em vários concursos, nomeadamente Slam Tundawala 2019 onde saíu em 2º lugar. Consagrou-se vencedora do concurso Muhato Spoken em 2020, saiu no 2º lugar do Slam das Minas Suburbanas (Brasil), e arrecadou o 1º lugar, com o prémio do júri, no concurso É de Género pela Mosaiko 2021.

Bel Neto foi 3ª Classificada do Concurso Internacional de Spoken Word – Brasil (Rio de Janeiro) FLIP – Festa Literária das Periferias, sendo a 1ª angolana a subir ao pódio na competição e representou Angola na Copa Africana de Poesia, no Tchad, sendo a única lusófona a passar à 2ª fase do concurso.

Bel Neto, Poetisa Lua e Sandra Bande

“Escrevo há mais de 20 anos, e só pude lançar o meu primeiro livro no ano passado, isso em 2022. Este facto mostra que foi um caminho muito árduo, de muitas impossibilidades”, conta Bel Neto, poetisa e escritora angolana.

Como Sandra Bande, Bel Neto também enfrenta as mesmas dificuldades para se firmar como poetisa e escritora no mercado angolano. À BANTUMEN, Bel Neto contou que escreve desde os seus 12 anos. Ver a sua mãe a sofrer situações pouco felizes fez com que crescesse com alguma revolta e foi na poesia que se refugiou para exteriorizar o que sentia. “O que me motiva até hoje a ser poeta é o facto de eu ver a minha mãe hoje, em todas as mulheres em situações desfavoráveis ou de injustiça”, disse.

Atualmente, escreve sobre vários assuntos. “Mas o que mais me motiva é saber que a minha poesia pode sempre servir de portal para liberdade ou ser despertador de alguém em vários sentidos”. Neto escreve e declama sobre assuntos do quotidiano, ligados às vicissitudes das mulheres, tais como a violência contra as mulheres, o erotismo, o estado do país, África e sobre as crianças, com o objetivo de desconstruir alguma coisa.

“Hoje escrevo porque quero sempre desobstruir alguma coisa, escrevo para desarrumar, desfazer o comum, instaurar algum caos no comodismo de quietude que não agregam, ou porque quero ensinar, libertar”, contou.

Para ela, a arte representa um turbilhão de coisas. “Se eu não fosse poeta, certamente seria uma mulher entupida”, afirmou. “A poesia para mim é um universo onde eu-deusa-mulher invento o mundo que eu quiser, no lugar que eu decidir, no tempo que eu escolher para poder salvar alguma vida ou matar sentimentos ruins”.

“Fui vaiada, ofendida, alguns pediam que tirassem o som do microfone”, afirma, recordando uma das suas piores experiências enquanto artista. O incidente ocorreu depois de, em 2014, ter escrito o poema “Outro homem matava a minha fome”. Segundo a própria, o poema “feria o ego dos homens” e foi o bastante para, à data, sofrer o boicote de algumas pessoas.

Estamos num bom caminho

Lua

Apesar de reconhecer que, há um tempo atrás, a poesia feminina não tinha muita presença em Angola, a jovem artista Poetisa Lua, pseudónimo de Adolfina da Cruz, poetisa, slammaster, professora de formação e atriz, entende que atualmente há um equilíbrio em termos de paridade e mostra-se mais otimista em relação ao futuro.

“Estamos num bom caminho, só há algumas coisas que precisam ser mudadas, regularidade de eventos de Spoken word e de microfone aberto. A gente faz o que pode e está a caminhar na medida do possível”, esclarece, mostrando-se optimista.

Tal como aconteceu com Sandra Bande e Bel Neto, Poetiza Lua também começou a fazer poesia enquanto pequena. Com apenas 5 anos começou a dar os primeiros passos na área ao fazer parte do grupo infantojuvenil “As Ladissas”, dirigido na altura por um vizinho. No que toca a referências, a sua primeira foi Agostinho Neto, autor que declamava no início. “Eu entrei na arte sem saber o que era. A minha primeira referência na poesia clássica foi Agostinho Neto”, contou-nos.

A escrita poética firmou-se quando estudava no ensino médio, ao perceber que tinha uma estrutura única e o espírito cresceu quando percebeu que as pessoas se conectavam e gostavam sempre que declamasse os seus escritos. À medida que entrava no movimento, foi conhecendo outras referências, com destaque para Bel Neto e Elisagela Rita, consideradas como as percursoras do Spoken Word em Angola.

Para ela, a poesia representa o seu lugar de encontro. “É o espaço em que eu consigo expressar de forma fluída, e é o tipo de arte que mais me sinto acolhida”. Quando escreve, vive um processo de construção e desconstrução para desmistificar certos padrões que se tem sobre certos assuntos. A sua escrita foca-se na intervenção social, retrata sobre questões políticas e sociais, empoderamento africano e feminino. Questionada sobre o porquê de enveredar sobre estes tema, Lua justifica:

“Sou contra a romantização da pobreza da mulher. Muita gente aplaude a mulher zungueira, mas ninguém quer ser zungueira e a mulher zungueira não quer ser zungueira. Se tivessem oportunidades, de certeza que fariam coisas melhores”, rematou.

Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.

Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para [email protected].

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