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Projota: “Precisava me curar para depois poder mudar as coisas ao meu redor”

Projota | Foto: Fred Othero
Projota | Foto: Fred Othero

Sorridente, Projota me recebe no seu game room, onde faz transmissões online jogando games. Esse encontro não é presencial. A tela do Zoom nos separa, mas não impede que a troca de ideias seja fluida. Quase um ano antes conversamos via telefone para falar sobre o então lançamento de “Dia da Caça”, a primeira música dele após a saída do Big Brother Brasil (BBB), com mais de 90% de rejeição. 

Inevitavelmente, dessa vez, a participação do rapper no BBB está muito presente na conversa, mesmo o assunto girando em torno do álbum A Saída Está Dentro. Nas 11 músicas que o compõe, Projota expõe os seus sentimentos. “É um disco em que explorei ao máximo as minhas emoções, seja o amor ou o medo”, diz. A experiência que teve na casa direciona as composições. Se abrir foi uma forma que ele encontrou para se libertar de um fardo que vinha carregando. É um recálculo de rota. 

Por quase 30 minutos, falamos sobre todo o conceito do disco, que também celebra os 20 anos de carreira do artista, e as consequências geradas pela exposição que teve. “A razão desse disco é: quando você se sentir perdido, não importa que você não saiba para onde estava indo nem onde você tá, mas se souber voltar para casa, você tá resolvido”.

Esse disco já estava planejado para sair em 2022?

Mano, é louco porque ele não foi planejado. Foi uma parada muito doida a forma como esse disco surgiu, porque não era pra ser. O plano era outro. Eu já tinha algumas letras escritas, mas estava na vibe de compor. Saí do Big Brother Brasil, fiquei um tempo quieto em casa, de boa. Não estava nem mexendo no Instagram. Só ia ali de vez em quando, estava tentando voltar, mas ficava uma coisa meio fake. Você dá aquele bom dia com sorriso amarelo, estava um clima meio estranho. Meus fãs também me falavam: “você não tá bem, né!?”. Só comecei a me sentir bem quando deu vontade de fazer música. E quando tenho esse lance, eu acordo e escrevo. Começo a ir pro PC (computador) pesquisar algumas paradas, ouvir uns type beat, buscar umas referências… mas aqui onde eu tô morando não tenho estúdio. Na casa anterior eu tinha. Então, não tinha como gravar, fazer música… minha filha pequena ali… imagina aqui eu colocando umas caixas pra estourar. Não tinha como. Aí, eu falei para o meu empresário: “mano, a gente vai ter que sair. Eu preciso sair de casa, porque aqui não vai ter rap, não vai ter música, não vai ter nada. Só vou ficar carregando a Marieva pra lá e pra cá, e não vai rolar”. Por isso, a gente convocou um ‘timasso’ de músicos para fazer esse álbum, que é diferente dos outros porque ele é todo tocado. Tem elementos eletrônicos ali, mas que vem para sobrepor, para complementar. Mas não tem nenhum beat. Todo o arranjo das bases instrumentais foram todas criadas ali com todo mundo junto pirando. Meia dúzia de caras trancados numa sala fazendo música. Foi bonito e especial pra mim.

Isso meio que foge da estrutura do rap. Está mais (digamos) orgânico, no sentido de ter poucos elementos eletrônicos, e pegar referência do rock com uma certa influência de Charlie Brown.

Acho que o Charlie Brown está muito presente na minha vibe. Eu enxergo algumas coisas ali de Legião Urbana… tem algumas músicas que me remetem a esse sentimento. Acho que nesse disco eu consegui ser um pouco mais profundo na minha poesia, mesmo nas músicas que podem ser consideradas mais rasas. Nas mais românticas, que têm um potencial comercial maior, ainda assim, acho que consegui ir mais fundo, porque eu estava vivendo coisas muito intensas. Era tudo muito profundo. Para poder falar, eu tinha que cavar fundo. “Pássaros”, que tem a participação da Lourena, foi uma música que escrevi confinado no hotel antes de entrar no BBB. Eu fiquei ali dez dias trancado, dentro de um quarto, sem poder ver uma foto da minha família, sem poder mandar uma mensagem… fiquei fazendo palavra-cruzada. E aquela saudade toda, aquele medo todo, sabe!? Eu não sabia o que ia acontecer no fim. Por que, mano, sempre perguntam: como foi sair do BBB? Mano, foda mesmo seria se eu saísse e minha mulher não tivesse aqui me esperando, tá ligado!? Mas foi totalmente o contrário. Ela nunca largou minha mão. 

©Fred Othero

Por tudo o que aconteceu, bateu um arrependimento de ter participado no programa, principalmente por ter pausado esse período de carreira. É claro que foi um curto tempo, mas isso te atrapalhou musicalmente e psicologicamente ou esse processo foi necessário para que você pudesse se entender como indivíduo e artista?

Tudo o que você disse está correto. É óbvio que atrapalhou, porque poderia ter sido melhor. Não é que ficou ruim, mas poderia ter sido melhor. O plano era fazer o bagulho tomar um tamanho muito maior. Dar uma projeção muito grande para o trampo… isso não aconteceu, mas ainda assim existiu projeção, crescimento. Meus números ainda cresceram e a quantidade de seguidores quase dobrou. Então, não tem como esquecer isso. E arrependimento, de forma alguma porque no final das contas (além de números), eu ganhei uma coisa que não se compra (que é maior que número, que é maior que seguidores ou dinheiro). Ganhei crescimento. Acho que os 20 participantes ganharam crescimento e eu posso dizer por mim que foi um crescimento muito grande. Foi um bagulho de transformação. De você ver coisas que eu já ouvia feedback aqui, sobre partes da minha personalidade… minha mina mesmo já falava: “mano, você é assim. Olha como você é”! E eu sempre falava que era exagero dela porque achava que sempre estava certo. Mas depois que saí de lá, vi que ela estava certinha. Então, hoje consigo ver melhor essas coisas. Tenho certeza que daqui pra frente vou ouvir mais o que as pessoas têm a dizer pra mim, porque vai agregar ao meu crescimento, mas também, não comprei tudo não, porque eu sei que as pessoas exageram demais. Pelo amor de Deus, mano, eu carrego meus amigos comigo desde os meus sete anos de idade. Não tem como você ser uma pessoa ruim e manter os mesmo amigos desde criança. Sinto que minha família se orgulha muito de mim. Tem muita coisa certa e algumas coisas erradas que estou corrigindo.

“O poder atrapalha muito a nossa vida. Te tira do eixo, te tira do seu rumo. Isso já aconteceu comigo algumas vezes”. 

Projota

É da nossa humanidade reconhecer os nossos erros, mudar e evoluir. Muitas dessas experiências você também coloca nas músicas desse disco. Tem sentimento, dor, paixão. Agora lembrei do DMX no documentário “Don’t Try to Understand”. Tem um trecho que ele fala para um aspirante a MC transformar a dor dele em palavras. Com você aconteceu esse processo de transformar as suas dores em palavras, que podem fazer a diferença na vida de alguém que vai ouvir?

Você sabe que eu sinto que isso está acontecendo com esse disco!? Tenho recebido um feedback muito positivo de gente que percebo que entende da parada, que sente de verdade o negócio e consegue se atentar a vários detalhes e também dos meus fãs. Eu acho que matei a charada, porque o meu trampo sempre foi isso, sempre foi pegar todos os problemas que passei na minha vida lá no passado, transformar em música para inspirar as pessoas pela posição que eu me encontro hoje. Tipo: “olha onde estou e agora vou te mostrar por onde eu passei. Não foi fácil chegar aqui, mas você também pode”. Essa sempre foi a mensagem do meu trampo, tá ligado!? Só que antes ninguém estava lá, mas agora todo mundo viu o que passei, viu bem de perto, acompanhou, viu o que estava acontecendo ali, se decepcionou com muitas coisas, e depois quando falei sobre essas dores, as pessoas responderam: “caraio, pode crê”. Tem uma perspectiva diferente para ver esse momento. Também entendem que não deve ter sido fácil. Então, já consigo alcançar (talvez um pouco mais tardiamente) aquilo que sempre quis quando entrei no BBB, que era humanizar a minha imagem, fazer as pessoas entenderem que sou um cara normal que acorda de manhã e vai comprar meia dúzia de pão com mortadela, uma alface e uma carne moída pra fazer no almoço… e aí tem uma discussão com a mina, e resolvem, e a gente vai e arruma a festa de aniversário da filha… Eu sou assim, minha vida é normal. Então, como uma pessoa normal, eu erro pra caramba. 

O disco começa com uma pegada bem romântica, mas ao longo das músicas entra em assuntos que tratam desse momento que a gente vive aqui no Brasil. Você também consegue fazer uma mescla de temas, que vão da paixão amorosa ao cenário político. Essas fusões são bem interessantes.

É muito doido, porque acho que a gente conseguiu mesclar de uma forma bem cirúrgica. Quantas músicas de cada estilo, como fazer isso… tem coisa que não rolou. Por exemplo, eu queria fazer uma música mais dançante, mas não saiu. Até produzimos, tentamos, escrevi… não entrou. Eu queria fazer uma música 100% política, por tudo que a gente está vivendo agora e o que ainda vai acontecer. Não rolou. Acho que estava com tanto problema dentro de mim, que quando estava tentando fazer uma música política, eu escrevi “Isaias”, que é totalmente sobre mim, totalmente sobre as minhas dores. Então, precisava me curar para depois poder mudar as coisas ao meu redor. Agora que atingi esse objetivo, posso falar do que está lá fora. Mas o meu bagulho com isso é tão forte, que mesmo assim a mensagem está ali, a gente ainda bota o dedo na ferida. “Homens de Bem” é a música que acho que vai bem forte nisso. Quando você ouve a música, praticamente enxerga o rosto dos caras. Você vê a quem estou me referindo, a que tipo de homem estou me referindo. Mas falo sempre que “Homens de Bem” fala sobre mim também. Fala sobre se você vacilar e não estar conectado com a sua essência, com quem você nasceu pra ser lá atrás, você vira aquele cara lá no bordel em Paris, tá ligado!? O poder atrapalha muito a nossa vida. Te tira do eixo, te tira do seu rumo. Isso já aconteceu comigo algumas vezes. Quando via que estava saindo do rumo, voltava para trás. Por isso, a razão desse disco é: quando você se sentir perdido, não importa que você não saiba para onde estava indo nem onde você tá, mas se souber voltar para casa, você tá resolvido. 

©Fred Othero

Os filhos mudam totalmente a nossa vida. A gente evolui muito depois que eles chegam. No seu caso, a paternidade também tem influenciado essa sua evolução pessoal e artística?

Eu ainda não consigo reconhecer como isso entra na minha arte. Eu sei que entra, porque toda a sua vivência, o seu dia a dia influencia… principalmente pra quem canta rap, que é algo tão pessoal. Mais de 90% dos rappers escrevem suas letras. É uma parada muito própria. Então não tem como isso não entrar. Agora, na minha vida, mudou tudo. Mudou o meu dia a dia e, a partir do momento que muda o seu dia a dia, afeta tudo e eu me sinto mais conectado com o que tem de bom em mim, porque me acho um pai foda. Isso é uma parada que eu não admito que não seja. Acho que posso errar em muitas coisas, mas com a minha filha não posso errar e eu me acho um pai da hora, tá ligado!? Tento ser muito presente… inclusive, estou com 35 anos e graças a Deus tenho tudo que preciso financeiramente e o meu objetivo é manter o meu corre, manter minhas paradas pra eu poder dar esse conforto pra minha filha ao longo da minha vida e continuar ajudando os meus familiares. Isso pra mim é o suficiente. 

Você acha que o rap está mais aberto hoje para tratar questões que antes não eram consideradas tão relevantes, como ter uma presença maior de mulheres e abordar assuntos que não estão necessariamente relacionados à justiça social?

Esse é um grande mérito das minas no rap, porque elas estarem presentes tanto na plateia quanto segurando o microfone, muda tudo. Mudou o ambiente. A gente tinha um ambiente esfumaçado e escuro. Mas começou a ter mais cores. A gente vive num ambiente mais colorido, que te permite sorrir. Quando comecei a cantar rap, a gente não podia sorrir. Raramente você teria coragem de chegar num ídolo seu e pedir pra tirar uma foto. Você achava que ia tomar um soco. Era um clima tenso. Hoje, esses mesmos ídolos, a gente faz questão de ir lá tirar foto, porque todo mundo conseguiu entender que a quebrada também sorri e se diverte… a quebrada era da hora, nunca reclamei de viver naquele lugar. Era um lugar feliz pra caralho. A gente estava rindo, rindo, rindo, mas quando chegava no show de rap tinha que fechar a cara. Não dava pra continuar assim.

©Fred Othero

No álbum, tirando o Fernandinho Beatbox, você traz artistas que não fazem parte do rap. Como foi essa parceria com a Melim, Lourena e, principalmente, com o Nando Reis, um dos grandes nomes da música brasileira? 

Eu já tinha um som com a Melim no disco deles. Só chamei no Whats [WhatsApp] ali, rapidão. Foi simples demais, porque a gente se admira mutuamente. Aí, eles piraram no som e a gente foi pra cima. A Lourena é do rap. É uma artista que vem de dentro do nosso ambiente, mas tem tudo pra ultrapassar todas essas barreiras. Ela tem uma voz absurda. E a gente tem algumas meninas que têm essa voz, tipo a Agnes Nunes. Essa é uma nova geração muito rica e muito pura. Você percebe a pureza no canto da Lorena. É muito verdadeiro. Ela ama muito fazer aquilo. Ela canta sorrindo. O Fernandinho eu conheço há muito tempo. É um cara muito sangue bom. E o Nando era um feat dos sonhos. O ano retrasado realizei um sonho que era fazer uma parceria com a Maria Rita. Sempre imaginei que quando fizesse uma música com o Nando Reis, ela seria romântica. Mas o cara é a história do rock nacional com o Titãs, e eu falei: “se ele colar vai ser muito louco, porque vai dar uma interpretação muito única”. Aí, eu gravei a música com a minha voz como guia. Ali, ele veio e deu o lance dele, completamente diferente do que eu tinha gravado… ficou melhor do que eu podia imaginar. É uma forma diferente de enxergar a canção e uma forma diferente de cantar a canção. Ficou foda. E ele mostrou que tinha estudado a música, pensou cada detalhe de como ele queria gravar e a gente chegou no estúdio juntos e foi um dia inesquecível pra mim.

Nunca sofri na rua nenhum tipo de hate

Projota

Parece que essa pandemia não vai acabar nunca. Atrapalha soltar um disco e não poder rodar com ele nos shows?

Em 2020 aconteceu a mesma coisa. Não vou dizer que foi um disco perdido, mas não foi trabalhado. Simplesmente não cantei as músicas. Eu não sei as letras porque agora estou com as letras do novo disco. É muito estranho, mano! Mas agora pelo menos a gente tem uma expectativa de poder ir pra rua. Já estão acontecendo alguns eventos, inclusive fiz uns. Foi muito louco poder me reencontrar com a galera. Como estava nessa onda de cancelamentos (na Internet), na rua é diferente. Nunca sofri na rua nenhum tipo de hate. Muito pelo contrário, a galera faz até questão de vir cumprimentar, tirar foto. E eu queria ver como seria nos shows. E foi essa vibe de amor. Graças a Deus o nosso povo quer isso, quer trocar amor, energia positiva. Quanto mais pessoas vacinadas, mais rápido vamos sair disso. Apesar de termos tantos problemas nesse país, a gente tem que tirar o chapéu para o povo que está indo se vacinar. Porque a gente vê que mesmo em países da Europa, que a gente paga pau sempre, a galera não se vacina. É bizarro. Mas os brasileiros estão se vacinando. Parabéns pra nós. A gente está conseguindo essa nova fase por conta da vacinação.

*artigo escrito de acordo com a ortografia brasileira

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