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Batoto Yetu: uma caminhada espiritual de volta às origens 

Batoto Yetu
© DR

“Caminhada Espiritual”: é nesse tom reflexivo do contato com a ancestralidade que a Associação Cultural e Juvenil Batoto Yetu Portugal nomeia as suas visitas guiadas à Ilha dos Negros, na reserva natural do Sado. O percurso, que inclui uma viagem de autocarro com saída de Lisboa e um trecho de seis quilómetros a pé, volta a acontecer no próximo dia 12 de fevereiro e promete uma jornada em tributo aos povos africanos que viveram na região.

Abertas ao público desde o ano passado, as visitas são fruto de um trabalho de investigação que começou em 2018, relacionado com o projeto artístico e histórico sobre danças africanas que a organização desenvolve em Portugal. Muito além de um resgate de outros tempos, a experiência ajuda a conhecer e compreender uma memória viva que existe até aos dias de hoje no país. Saber que o melhor e mais famoso cozido à portuguesa, o cozido do Canal Caveira, tem influências africanas assim como a feijoada brasileira é apenas uma das curiosidades que aprendemos em conversa com a associação cultural. 

“Descobrimos na região do Sado que havia uma denominada “ilha de negros”, uma zona onde a presença africana era antiga, desde o período mourisco, e tinha deixado marcas nas pessoas, na gastronomia, na saúde, na arquitetura, na navegação… dentre outras influências já perdidas ou por descobrir”, contam. Quem participa do evento tem a oportunidade de seguir os passos dos antigos moradores dessa zona, que realizavam peregrinações religiosas periódicas até uma igreja católica com santos negros no seu altar. “O sincretismo e as irmandades religiosas foram uma forma de integração e de resistência desses povos desde o século XV. As caminhadas feitas pelos seres humanos, desde as primeiras migrações humanas de África para os outros continentes, que também passou pela Península Ibérica, apresentavam também esse carácter espiritual de aventura, de meditação e reflexão interna.”

O fado é produto do berço lisboeta e proveniente da mistura de pessoas nas zonas portuárias com influências mouriscas, afro-brasileiras e africanas

Em meio à reflexão também existe espaço para muita informação. Acompanhados pelos livros promovidos pela instituição, os visitantes podem saber muito mais sobre os fenícios na zona de Abul, sobre as tropas romanas compostas por africanos, mouros e os seus califados de Marrocos e da antiga Senegâmbia; e sobre as pessoas escravizadas do Oeste de África e do Reino do Congo. Esses livros, realizados por escritores e historiadores como António Chainho e principalmente pela Isabel Castro Henriques, são uma aposta para, quem sabe, um dia integrar os conteúdos do programa de ensino escolar e servir de ferramenta para uma aprendizagem transversal a todos e não só a quem participa nas visitas. 

Para a Batoto Yetu, essas não são as primeiras “caminhadas”. Com mais de 20 anos em Portugal, a associação sem fins lucrativos e com sede em Oeiras desenvolveu ao longo dos anos um extenso trabalho social por meio da cultura africana, que se destaca sobretudo nas artes. Foi num projeto sobre dança que recuperaram a história do fado dançado e dos locais onde este se desenvolvia para realizarem, em 2015, a primeira visita guiada aos espaços de memória dessa presença na região urbana de Lisboa.

“Encontrámos duas das mais conhecidas (danças) como o fado dançado e o fandango. O fado é produto do berço lisboeta e proveniente da mistura de pessoas nas zonas portuárias com influências mouriscas, afro-brasileiras e africanas, que eram comuns na cidade desde o século XIV. Posteriormente, perdeu a percussão e a dança – considerada demasiado sensual e erótica – tendo ficado apenas o choro, o lamento característico do blues. A partir de 1920 deixou de ser dançado em Portugal, mas manteve-se inserido no folclore nacional do Brasil, Cabo Verde, São Tomé e Angola. Também encontramos a segunda mais relevante dança portuguesa afrodescendente: o fandango. Todas nascidas do triângulo entre o Reino do Congo, Portugal e Brasil.” A organização recorda que fez diversas atuações e workshops sobre o tema e que foi através dessas atividades que acabou por descobrir mais sobre onde viviam, celebravam e trabalhavam alguns desses povos que deixaram as suas marcas naquela zona.

A aprendizagem contínua ajuda-nos a chegar ao desenvolvimento social colectivo e pacifico que todos almejamos

São imensos os projetos da Batoto Yetu, nome que em suáli significa “as nossas crianças” e serve de indicativo para o facto de que são elas o principal foco da associação – e também a grande maioria dos seus associados e público. Quando questionados sobre o impacto desse contato com as raízes africanas na vida desses jovens, fica evidente o envolvimento da comunidade. Como nos contam, muitos daqueles que passaram pelas atividades da associação desde o seu ano de criação, em 1996, também criaram posteriormente ações e projetos associados à cultura afro diaspórica. E que boa parte do conhecimento desenvolvido pelo grupo deve-se ao trabalho e participação de outros griots. Em suas próprias palavras, esse ambiente é “fortalecedor das nossas personalidades e ajuda-nos a criar pessoas mais ativas e envolvidas na sociedade. Sociedade essa que é sua, dos seus pais e dos seus antepassados que por cá viveram, coisa que dificilmente aprendemos no sistema escolar.” 

Nesse resgate do passado, a auto-estima e o sentimento de pertença despertados naqueles que passam pela Batoto Yetu convertem-se num envolvimento comunitário em direção ao futuro. Sempre disponíveis para parcerias, confessam que sentem falta de uma responsabilidade social empresarial mais presente e que trabalho não falta para quem quiser envolver-se, seja como voluntário ou associado. “Tudo aquilo que possa ajudar os jovens a instruirem-se sobre si mesmos e sobre a sua cultura, a investirem e a terem mais atenção pelo trabalho comunitário ou associativo, e puderem dessa forma ter um melhor desempenho das suas competências e ambições é bem vindo. A aprendizagem contínua ajuda-nos a chegar ao desenvolvimento social colectivo e pacifico que todos almejamos.”

Para se inscrever na Caminhada Espiritual à Ilha dos Negros e obter mais informações, basta enviar email para [email protected].

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