Procurar
Close this search box.

“Esta deficiência constituiu-me como sujeito”, Isis Hembe

Isis Hembe

Isis Hembe é um angolano natural do Bié mas é na capital angolana que, atualmente, dá vida à sua carreira no hip hop e às suas atividades sociais.

A sua jornada na música ganhou forma em 2020, com o álbum Prazer, Isis Hembe. Desde então, versos e melodias desdobraram-se em narrativas através dos projetos discográficos O Escrivão Solar, de 2021, e Quintessência, de 2022.

A deficiência que se atravessou na sua vida acabou por, naturalmente, influenciar significativamente a sua expressão artística, moldando a sua visão e estilo de rap alternativo, assim como os assuntos em que se quer envolver ativamente. Além da música, Isis Hembe está focado no projeto “As Aventuras do Angosat”, uma Hip Hópera integrada no festival inclusivo “No Meu Mundo”, idealizado por si e que conta com o apoio de diversas instituições de renome.

Ao seu ritmo, o panafricanismo expresso nas suas canções torna-se uma arma, uma bandeira desfraldada contra as sombras do passado colonial. É a essência crua da arte, onde números são acordes secundários na sinfonia da expressão. Isis acredita que o segredo para ser ouvido não está nos números que acumula mas na autenticidade da sua voz.

Isis, conta-me a tua história.

Isis Hembe: O meu nome é Isis Hembe de Oliveira. Nasci no Bié, mas com mais sentimento de pertença por Luanda, por ter sido praticamente criado aqui. Já tenho longos anos de rap, no entanto, a minha carreira começa oficialmente em 2020 com o lançamento do meu primeiro álbum Prazer, Isis Hembe. Em 2021 lancei o álbum O Escrivão Solar, em 2022 o EP Quintessência e, este ano, lancei um EP colaborativo com o Ikonoklasta chamado Insólito Caso do Pássaro Metálico. No dia 29 de outubro vou lançar uma Ópera de Hip Hop chamada “As Aventuras do Angosat “.

No que estás a trabalhar neste momento?

Isis Hembe: Neste momento, todas as minhas atenções estão voltadas para “As Aventuras do Angosat”, que é uma Hip Hópera, que está inserida dentro do contexto de um festival inclusivo de iniciativa conjunta de várias instituições como Goethe-Institut, Instituto Camões, Aliança Francesa, Animart, Lardef, ANADA e Eunic.

Essas instituições materializaram uma ideia que sempre tive: criar um festival a partir da óptica do Desenho Universal (design universal). Que é uma maneira de conceber projectos, bens e serviços de forma a adaptarem-se ao consumo da maior parte das pessoas em diversidade funcional, incluindo, obviamente, as pessoas com deficiência.

De que forma é que a tua condição física influencia o que fazes na música?

Isis Hembe: Influenciou significativamente, pois esta deficiência constituiu-me como sujeito. Uma pessoa com deficiência tende a ter uma vida mais alternativa ao que é considerado “normal”. Naturalmente, isso pode a vir a traduzir-se numa expressão artística igualmente alternativa, se formos entender a obra artística como extensão do artista.

Não estou para satisfazer demandas de mercado desassociadas da minha verdade

Isis Hembe

Achas que as novas narrativas (subgéneros) populares do hip-hop têm influenciado a pouca divulgação do rap alternativo ou underground?

Isis Hembe: Não. Não acredito que as narrativas tenham influência nisso. O rap sempre foi muito plural. A meu ver, o que acontece é que certos arranjos sócio-culturais privilegiam mais algumas narrativas em detrimento de outras. Atualmente, o contexto sócio-cultural, um pouco por toda a parte, é influenciado por dois fatores: a crise financeira e a democratização da informação, quer na sua emissão, quer na recepção. Isso faz com que, ao mesmo tempo que haja um certo desespero, há, também, uma esperança de que nos possamos salvar individualmente. Naturalmente, músicas que aludam ou ambientem tópicos como o empreendedorismo e o conteúdo de estilo de vida são mais destacadas, nesse contexto. Mas, para mim, isso é irrelevante pois eu, como artista, tenho um compromisso com a minha verdade e não estou para satisfazer demandas de mercado desassociadas da minha verdade.

E como que se dá a tua entrada na Swahililândia? Fazendo um balanço dos mais de dois anos da label (salvo erro), achas que o modos operandi praticado por lá é o ideal para a tua rápida ascensão ou és dos que pensam que “tudo acontece a seu tempo” (há quem chame isto de preguiça disfarçada. Risos)?

Isis Hembe: Na Swahillilândia não estou muito com a mentalidade de ascender. Estou lá mais como aluno, a observar e absorver a experiência musical e do negócio da música de pessoas que já passaram na frente, como o Damani e o Verbal, bem como o frescor e criatividade de novos talentos como do Elzo. Honestamente, quero poder ser o maior que puder mas eu sou meio estoico nesse sentido. Não me preocupo tanto com coisas que não estão sob o meu poder. E, por falar em poder, não dei a responsabilidade de me fazer ascender na produtora. A minha cena é meio kamikaze: dou o meu melhor na música e na visão de negócio que tenho sobre mim e vejo o que acontece. Sem muita ansiedade ou expectativa.

O panafricanismo cantado vende?

Isis Hembe: (Risos) Essa é a verdadeira pergunta provocativa. Panafricanismo é uma cena muito séria. Não encaro como produto. Posso dizer que nós, africanos, estamos sedentos por narrativas e ideologias que sejam alternativas a toda a construção imagética fruto do colonialismo e as suas ramificações posteriores. O panafricanismo é tipo uma arma.

Achas que a competição (positiva) do underground em Angola está fraca? Não vemos lançamentos mediáticos como acontecia há alguns anos, embora isto possa soar meio contraditório…

Isis Hembe: Não está fraca, está mesmo só no underground (risos). Os meios de comunicação normalmente notam mais fenómenos que furam a bolha e que gera burburinhos extra culturais. Essas coisas são sempre excepcionais. Uma das coisas que boa parte dos artistas alternativos já mentalizaram é que a mediatização não é uma boa métrica para se avaliar a saúde de uma cultura.

Podes adiantar-me números dos últimos LPs?

Isis Hembe: (Risos) Eu só estou a rimar e nesse processo estou a tropeçar no reconhecimento das pessoas. É gratificante. Honestamente, não estou atento aos números.

Isis Hembe

O que fazes para enriquecer a tua arte?

Isis Hembe: Tenho fases. Recentemente, fiz uma incursão pelo universo da literatura de Desenvolvimento Pessoal. Tenho interesses de construir maestria no rap e tornar-me mais eficiente como ser humano. Gosto muito de literatura que aborda a espiritualidade sobre a óptica da Sabedoria Perente. Para mim, é importante buscarmos a realização como humanos, antes da busca da realização como sujeitos. Inclusive, creio que a causa das nossas crises é justamente essa inversão de prioridades. Além disso, consumo muita arte, em várias disciplinas que, em última instância, têm mesmo como missão revelar a necessidade de nos realizarmos humanamente.

Ser artista ainda dá pouco dinheiro, principalmente para os alternativos, e daí urge sempre a necessidade de diversificar os campos de atuação. Quais são as tuas atividades além do rap?

Isis Hembe: Eu vivo mesmo com o pouco dinheiro que o rap dá, mas atuo esporadicamente como redator e gestor de redes sociais.

És um rapper muito forte! Isto é um facto disfarçado de elogio. Porquê a entrada tardia (em comparação com a maioria) no círculo nacional de hip-hop?

Isis Hembe: Faço isso há anos, mas nunca se desenharam as circunstâncias certas para que eu pudesse expressar a minha cena com as qualidades técnicas desejáveis como acontece agora. Coisa para dizer, não era o meu tempo.

Em pouco tempo conseguiste o reconhecimento da malta do rap mas isso não dá dinheiro. Alguma estratégia para, por exemplo, chegar às playlists de outros países da Lusofonia, tendo em conta as receitas do streaming que são a nova galinha dos ovos de ouro dos artistas?

Isis Hembe: “Não dá dinheiro” parece muito fatalista. Eu sou sonhador. Acredito que a dedicação apaixonada na minha cena é que tem de me dar essa resposta. A minha única estratégia é dar o melhor de mim e tentar oferecer o produto com a maior qualidade possível. Tenho aprendido que o ativo para riqueza/prosperidade não está em definir como vamos ganhar dinheiro e sim em definir como vamos contribuir com um produto ou serviço que tenha valor para os outros, de forma a que eles se sintam inspirados a comprar.

Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.

Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para [email protected].

Recomendações

Procurar
Close this search box.

OUTROS

Um espaço plural, onde experimentamos o  potencial da angolanidade.

Toda a actualidade sobre Comunicação, Publicidade, Empreendedorismo e o Impacto das marcas da Lusofonia.

MAIS POPULARES