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DJ Mandas e a sua história entre o Direito e a música

DJ Mandas
Foto: Irís Maximiano / BANTUMEN

O registo civil identifica-o como Noelson Teixeira mas é como Mandas que o mundo artístico o reconhece. Este DJ guineense, radicado em Portugal, é formado em Direito, mas é na música que encontrou a sua verdadeira paixão. Nesta entrevista, descobrimos o seu percurso desde o projeto Noisemakers até aos palcos internacionais.

Mandas já teve a oportunidade de tocar nos quatro cantos do mundo, desde a sua terra natal, Guiné-Bissau, até destinos como Brasil, Rússia, Filipinas e China, onde atuou como DJ residente na renomada discoteca Play House, que em 2021 figurou na lista das 100 melhores discotecas do ano, da revista DJ MAG. Com participações musicais com Afrojack, Steve Angello e Far East Movement, Mandas quer deixar a sua marca na cena eletrónica global.

A essência da identidade do DJ releva os sons tradicionais da Guiné, com uma mistura de influências de outros países do continente e das culturas por onde passou. O melhor reflexo dessa miscelânea é a faixa “Afro Tina”, que incorpora o som característico do instrumento Tina (tambor de água), originário da Guiné-Bissau.

No seu reportório, conta também com uma colaboração com Fatscoop Man, conhecido rapper norte-americano, na faixa “Energy”. A música ganhou destaque internacional, tornando-se num sucesso do verão, ecoando nos cenários europeu e norte-americano. Este ano, atuou no Jardim de Verão da Fundação Calouste Gulbenkian e a sua fusão de sons levou-o a um novo território musical, com a colaboração com a artista Alice, resultando numa mistura fascinante de Afro House e Fado, que muitos já começam a apelidar de Afrofado.

DJ Mandas / Foto: Irís Maximiano

Com agosto quase a fechar as portas, marcamos uma conversa com o artista, para conhecermos um pouco mais sobre a sua trajetória, música, desafios, no que tem estado a trabalhar e os novos lançamentos. Encontramos-nos no Jardim do Campo Grande, em Lisboa. Com um sorriso, apresenta-se, e automaticamente começamos a falar de música e de todos os sítios por onde já passou.

A música faz parte de ti e já há muito tempo que o sentes. De que forma a Guiné-Bissau influência o teu trabalho e o teu processo de criação?

Mandas: Foi o que fiz, isso foi em 2019, quando lancei o meu primeiro Afrotina, que é a fusão da Tina e Afro House. A Tina, como sabes, é um estilo de música e também de dança. Foi essa a forma que encontrei para introduzir a minha forma no Afro House, para me destacar. Então, aquilo já deixa claro que sou da Guiné.

Vem muito das influências que tive na infância, porque a Tina estava e está em todo lado, desde os casamentos, nas festas, nas manifestações culturais como o Carnaval, então sempre foi evidente. E também faço a Afrotina como uma forma de contar a minha história.

Tu viveste no Brasil, depois estiveste seis anos na Ásia… Por que sentiste essa necessidade de fazer essas viagens e também de que forma é que isso acabou por contribuir na tua música?

Mandas: Muito simples. No Brasil foi devido aos estudos. Foi onde me formei [em Direito]. Voltei para a Guiné em 2012 e fiquei lá um ano. Em 2013, mudo-me para a China, por causa do meu melhor amigo que lá morava. Convidou-me para o ajudar no restaurante bar que ele tinha aberto e fui naquela de o ajudar no negócio, mas a ideia inicial era ficar lá durante um a dois anos no máximo. Como disse há pouco, tinha terminado os estudos e a ideia era trabalhar na área. Até por causa dos meus pais e etc. Mas fui gostando do país e acabei por morar lá durante alguns anos. [E isso tudo] influencia muito porque a minha carreira profissional, os primeiros passos, foram dados no Brasil, foi ali que comecei a tocar nos churrascos e nas festas de estudantes.

Na Ásia, honestamente, eu fazia mais EDM (Eletronic Dance Music), música eletrónica, mas sempre senti a necessidade de fazer algo que gostasse, algo que me representasse. Então, foi aí que decidi e comecei a produzir a minha própria cena.

DJ Mandas / Foto: Irís Maximiano

Embora tenhas uma carreira consolidada, sentes que se continuasses a viver num desses continentes, América Latina ou Ásia, a tua carreira podia estar num outro patamar?

Mandas: A Ásia fez-me ser quem sou hoje. Graças também ao meu trabalho duro, cheguei a um ponto onde achei que já estava lá em cima mas eu queria algo novo, queria criar algo novo, algo que me desafiasse, algo que me fizesse correr e trabalhar mais. Porque quando saí da China, em 2021, já tocava na Play House, que faz parte da lista dos 100 melhores clubs do mundo. Eu já tocava lá como DJ residente durante três ou quatro anos, se não me engano. Agora, no Brasil, pensei várias vezes como seria se lá tivesse ficado, mas aí está, se eu não fosse à China eu não conhecia a minha mulher (risos).

Não me arrependo de nada. É um plano de Deus. A China fez-me ser o que sou. Sou grato por isso e sou feliz. Mas agora estou numa nova fase, sabes? Tenho uma visão diferente, porque estou num continente totalmente diferente da Ásia. E estou a gostar. O desafio aqui [em Portugal] é mais forte, digamos, tendo em conta que não estou tanto na minha zona de conforto, como era na China. Aqui é mais Afro House, Afro Tech, estilos que não fazia antes onde eu estava. Mas é um novo caminho, o que escolhi. Estou feliz.

Ainda bem que estás feliz e percebe-se que estás feliz pela música que trazes para o pessoal. Aproveitando a deixa, falando de felicidade, tens uma música com o Fatscoop Man “Energy”. Como é que essa música nasceu e como é que chegaste ao Fat?

Mandas: Conheci o Scoop na China e tornamo-nos amigos. Ele teve um show na China, para o qual ele me chamou para o acompanhar como DJ. E aquilo fortaleceu ainda mais o laço que temos, a amizade que temos e falámos em fazer uma parceria, uma colaboração numa música. Então, mandei o beat para ele e demorou uns três meses a responder (risos), mas respondeu. O Scoop é assim, demora mas entrega. E ele enviou logo tudo: o áudio, o vocal, tudo.

E eu tinha aquilo desde 2021, acreditas? As coisas levam um tempo. Tinha o beat pronto, tinha tudo. Mas depois de ter chegado aqui [em Portugal] decidi refazer o beat. E foi aí que entrou o Daus, que é o produtor que trabalhou comigo nessa música. Ele fez a co-produção e a música ficou ainda mais forte.

No início, quando lancei, a malta realmente não deu conta. Aquilo, na verdade, começou a fazer barulho depois de três meses. E, de repente, está todo o mundo a tocar “Energy“. E hoje em dia quando a toco, acho que é a música mais forte do meu set. E isso deixa-me muito feliz.

Foto: Irís Maximiano / BANTUMEN

E como é partilhar o mesmo palco com Tiesto, Diego Miranda, Kura, Djeff, Deep e Afrojack? Bem, a lista é longa. São muitos nomes pesados dentro do House e das suas variantes.

Mandas: Na China, quando me apercebi que os grandes tocavam nos mega clubs, eu era DJ dos bares, andava de bar em bar. Acho que aquilo foi a motivação que tive de querer estar no mesmo club, nos mesmos palcos, com esses mesmos nomes. E foi aí que me deu um click e comecei a trabalhar mais. Levou uns anos, mas graças a Deus, atingi o top dos clubs da China, por exemplo. Foi ali que tive a oportunidade de abrir para o Tiesto, Armin van Buuren, estar no mesmo festival que Afrojack e outros nomes.

E sabes o mais engraçado? O Diego Miranda, por acaso, foi o primeiro com que partilhei o palco na China (risos). Isso tudo só para dizer que é o que o trabalho duro nos pressiona a fazer e ainda bem. Porque quando um gajo acredita, ele [sucesso] vem.

Em Portugal, quem não te conhecia ficou a conhecer depois da tua atuação no Jardim de Verão – da Fundação Calouste Gulbenkian, deste ano. Qual foi a importância que teve para ti, tendo em conta que te tinhas mudado relativamente há pouco tempo para Portugal?

Mandas: Na altura já o tinha dito e volto a repetir: aquilo foi especial. Para mim, foi o dia mais especial da minha estadia aqui em Portugal, o dia mais feliz. Admito, inclusive, que foi das minhas melhores atuações aqui. E isso só foi possível graças ao Dino, porque foi ele quem me convidou. Sou muito grato por isso.

E também, pela energia do público, acho que estava tudo interligado. Alguma coisa aconteceu nesse dia, porque nunca tive um show tão bom e agora passa-me pela cabeça quando farei um show idêntico. Porque, na China, eu fazia igual, era fácil para mim. Aqui, demorou um bocado, mas aconteceu.

Foto: Irís Maximiano / BANTUMEN

E lançaste recentemente uma música com a Alice. É uma mistura de Fado com Afro House. É justo chamar-lhe de Afrofado? Fala-me também do processo de criação.

DJ Mandas: (Risos) Eu não chamo ao “Plano” de Afro Fado, mas já ouvi tanta malta a chamar Afrofado, então já é aceitável. Aceito. Alice é um dos talentos mais incríveis da Guiné atualmente. Curto bué da voz e da vibe dela. Somos amigos e temos o hábito de conversar muito sobre assuntos relacionados com música e não só. E sem querer puxar muito aquela nota, porque somos da Kavi (produtora musical), então, teve de ser [lançar uma colaboração]. Aquilo tinha de acontecer de uma forma natural, de conexão e etc. E, quando senti que era a altura certa, convidei a Alice. Chamei-a para vir a minha casa, sentamos, conversamos, porque naquela altura era só um beat normal de Afro House, mas eu sabia que tinha que ser criativo para ir ao encontro da cena que ela faz. Porque, a cena fado que ela faz é realmente uma cena que gosto e quis transpor na minha música. Então, criamos a música e chamamos o André, que é o homem da guitarra portuguesa. A guitarra deu a vibe mais fado. E ficou aquela fusão de Afrofado.

E o que é que podemos esperar nos próximos tempos do Mandas?

Mandas: O Mandas está cá [em Portugal], como já sabes. Vou morar nesta cidade [Lisboa] que escolhi para viver com a minha esposa. Gosto muito, é uma cidade que me inspira, sem contar que eu estou perto da minha gente. A minha mãe mora cá e a minha família também. Tenho mais trabalhos [para breve] mas não gosto de falar sobre trabalhos futuros. Acho que é para não criar expectativas. Mas o que não vai faltar este ano, ou até ao final deste ano, vai ser música. E muita música boa.

Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.

Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para [email protected].

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